29 de out. de 2008

Quem é Você?
(Cora Coralina)

Sou mulher como outra qualquer.
Venho do século passado e trago comigo todas as idades.
Nasci numa rebaixa de serra entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.
Numa cidade de onde levaram o ouro e deixaram as pedras.
Junto a estas decorreram a minha infância e adolescência.
Aos meus anseios respondiam as escarpas agrestes.
E eu fechada dentro da imensa serrania que se azulava na distância longínqua.
Numa ânsia de vida eu abria o vôo nas asas impossíveis do sonho.
Venho do século passado. Pertenço a uma geração ponte, entre a libertação dos escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia caída e a república que se instalava.
Todo o ranço do passado era presente. A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.
Os castigos corporais.
Nas casas. Nas escolas.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez, Os adultos eram sádicos aplicavam castigos humilhantes.
Tive uma velha mestra que já havia ensinado uma geração antes da minha. Os métodos de ensino eram antiquados e aprendi as letras em livros superados de que ninguém mais fala.
Nunca os algarismos me entraram no entendimento.
De certo pela pobreza que marcaria para sempre minha vida.
Precisei pouco dos números.
Sendo eu mais doméstica do que intelectual, não escrevo jamais de forma consciente e raciocinada, e sim impelida por um impulso incontrolável. Sendo assim, tenho a consciência de ser autêntica.
Nasci para escrever, mas o meio, o tempo, as criaturas e fatores outros contramarcaram minha vida.
Sou mais doceira e cozinheira do que escritora, sendo a culinária a mais nobre de todas as Artes: objetiva, concreta, jamais abstrata a que está ligada à vida e à saúde humana.
Nunca recebi estímulos familiares para ser literata.
Sempre houve na família, senão uma hostilidade, pelo menos uma reserva determinada a essa minha tendência inata. Talvez, por tudo isso e muito mais, sinta dentro de mim, no fundo dos meus reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo.
Sobrevivi, me recompondo aos bocados, à dura compreensão dos rígidos preconceitos do passado. Preconceitos de classe.
Preconceitos de cor e de família.
Preconceitos econômicos.
Férreos preconceitos sociais.
A escola da vida me suplementou as deficiências da escola primária que outras o Destino não me deu.
Foi assim que cheguei a este livro sem referências a mencionar.
Nenhum primeiro prêmio.
Nenhum segundo lugar.
Nem Menção Honrosa.
Nenhuma Láurea.
Apenas a autenticidade da minha poesia arrancada aos pedaços do fundo da minha sensibilidade, e este anseio: procuro superar todos os dias.
Minha própria personalidade renovada, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto.
Luta, a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
Quem sentirá a Vida destas páginas... Gerações que hão de vir de gerações que vão nascer.

6 de out. de 2008

6º Encontro - Entrevista com Marcos Bagno

Muito esclarecedora a entrevista publicada na revista Caros Amigos, edição 131 ano XI, com o lingüista Marcos Bagno - autor de "Preconceito Lingüístico", "A Língua de Eulália" e vários outros livros. Nela o entrevistado fala a respeito do tema preconceito lingüístico e nos mostra que a escola ensina uma língua portuguesa que não é a verdadeira língua falada pelos brasileiros e sim uma língua imposta pelas elites e com normas tão ultrapassadas que estão com dois séculos de atraso em relação ao português brasileiro. Para Marcos Bagno o que vale agora é o português brasileiro, a língua que o povo fala, que as famílias falam, que nós falamos, e não aquela que pregam os manuais de redação ou os "consultórios" gramaticais dos jornais. Nessa entrevista o lingüista afirma "... é preciso acabar com a cultura do erro". Ele ainda exemplifica: o português brasileiro é "chegou a hora da onça beber água", não "de a onça beber água".
O professor Marcos Bagno também comenta a linguagem da internet e a influência da língua inglesa na língua portuguesa. Vale a pena ler esta reportagem.